CÁ VAI ENTÃO A MINHA PÁGINA 100

O livro foi-me oferecido no Natal, mas só agora o estou a ler.

"[...]e o facto de estar a ficar sem casas de amigos onde dormir devido à aproximação do Verão, levou-me finalmente a decidir deixar Londres por algum tempo, apesar do fascínio que a cidade exercia sobre mim. Assim, liguei à minha irmã Maggie, que gere um café com o marido em Malvern Hills, e combinei passar o Verão com eles.

Maggie tem mais quatro anos do que eu e anda sempre preocupada comigo, de modo que acolheu com satisfação a notícia da minha chegada. Além disso percebi que lhe agradava também o facto de poder vir a contar com um pouco de ajuda extra. Quando digo que o café é em Malvern Hills, não quero dizer que seja em Great Malvern ou à beira da estrada A, mas literalmente lá em cima, nas colinas. É um casarão vitoriano isolado virado a oeste. Nos dias de bom tempo, os clientes gostam de lanchar na esplanada, que tem uma vista magnífica sobre o condado de Hereford. O café fecha durante o Inverno, mas no Verão é muito frequentado, sobretudo por pessoas da região que, geralmente deixam os carros no parque de estacionamento West of England, uns cem metros mais abaixo, e sobem o caminho a ofegar de sandálias e vestidos floridos. Aparecem também muitos grupos de excursionistas, com os seus mapas e equipamento especial.

Maggie disse-me que não podiam pagar-me um salário, o que até me convinha, pois significava que não poderiam exigir-me trabalho duro. Porém, uma vez que eu ia receber alimento e comida, o acordo parecia pressupor algum tipo de retribuição da minha parte. Era tudo um pouco vago, e, no início, Geoff, o meu cunhado, parecia dividido entre dar-me um pontapé no traseiro por não trabalhar o suficiente e desculpar-se por pedir a minha ajuda, já que eu era apenas uma visita. Mas as coisas depressa entraram numa espécie de rotina. O trabalho não era difícil - eu era particularmente competente a fazer sanduíches - , e por vezes tinha de recordar a mim próprio a razão principal que me levara a optar por aquela estada no campo: a saber compor uma série de novas canções antes do regresso a Londres no Outono.[...]"

Kazuo Ishiguro, Nocturnos, Gradiva,Lisboa, Julho de 2009 (pgs.100-101)