CÁ VAI EXCERTO DA PÁGINA 100

"[...] E os índios, onde estavam os índios, que, para nossa surpresa, pareciam ter desaparecido do país? Os paulistas nunca haviam encontrado nenhuma aldeia indígena. Tinham notícias de índios que viviam em alguma reservas nas florestas da Serra do Mar, sabiam que havia tribos no Paraná, mas as grandes nações selvagens, diziam, estavam enfiadas nas matas distantes do Amazonas, do Araguaia, e pelos lados do Mato Grosso. Dominavam, diziam eles, o Planalto Central, mas tão distantes da região civilizada do Brasil, que um homem podia passar a vida toda em qualquer das principais cidades brasileiras sem nunca encontrar um índio de perto. Nenhum deles acreditava que Pierre fosse mesmo um índio de verdade. A cor da pele, neste país de mistura, nada significava; bastava não ter o cabelo carapinha dos negros para ser qualificado de branco. Como os índios haviam desaparecido há dezenas de anos das regiões de colonização antiga, deixando traços marcantes de seu sangue nas veias de boa parte da população, originalmente européia, seus descendentes consideravam-se brancos e não gostavam de ser chamados de índios. Essas conversas foram uma atribulação para Pierre. Não é difícil imaginar como ele se sentia, vendo desfazer-se a ilusão de reencontrar-se como índio numa terra onde, aparentemente, eles estavam desaparecendo, se é que sua nação já não havia sumido de todo.

Os paulistas pouco sabiam do que se passava no Sul, onde a guerra contra o Paraguai já começara, embora naquela ocasião ainda não tivéssemos notícias dela. Sobre os guarani, que Pierre queria tanto encontrar, diziam que já não existiam mais no Brasil; viviam todos no Paraguai e talvez fosse lá que devêssemos nos dirigir. [...]"

Murilo de Carvalho, O rastro do Jaguar, Leya, SA, Lisboa, Março de 2009 (pag. 100, linhas 4-30)