A Agente Secreta e o Homem de Praga ou… Tudo por uma Sagres Bohemia

Ser proprietária da Residencial Medrosa, já me proporcionou momentos bastantes invulgares e compensadores – não pelos lucros financeiros, uma vez que a RM não cobra os seus serviços, mas pela riqueza espiritual e humana que advém do convívio com os seus utentes. Não sei se bem ou mal comparado, quem dirige uma residencial é uma espécie de barman… ou seja, tem que ser um bom ouvinte! Mas enquanto aos ouvidos do barman vão parar, quase sempre, desabafos tristes ou revoltados de quem já não está no seu estado normal, por ter ido procurar na bebida o esquecimento para os seus problemas, o papel da proprietária de uma residencial é bem mais gratificante, dado que lhe acontece ser, por vezes, confidente de relatos tão extraordinários, que chegam a parecer pura ficção!

Vem esta introdução a propósito da foto de um cartaz que as meninas Nestum colocaram no seu blogue - num iten que intitulam “naco do dia” - nada mais nada menos do que um charmoso homem a publicitar a cerveja Sagres Bohemia, cartaz esse que comecei a ver por todo o lado, sempre com o bem conseguido spot “Tudo por uma Sagres Bohemia”. Até aqui, nada de especial, não fora o facto de eu já o conhecer há bastante tempo, revelado por uma hóspede da RM, que tivera conhecimento da existência desta casa por uma amiga comum. Para estar apta a prosseguir o seu trabalho, achou que necessitava de alguns dias de calma e sossego a fim de recuperar de algumas emoções causadas pela missão anterior. Esta tinha-a marcado de forma indelével e necessitava absolutamente de confiar em alguém com quem pudesse partilhar o que lhe tinha acontecido. Não me pediu segredo para toda a vida, mas apenas até que a campanha publicitária da Sagres Bohemia fosse lançada. A partir daí, eu poderia dispor como quisesse do que ficara a saber, exceptuando, claro, a revelação de nomes e outros pormenores ligados ao caso. Ela sabia que podia confiar em mim.
A campanha já foi lançada e tudo o que eu tinha guardado no mais íntimo de mim, surge agora a massacrar-me, numa insistência quase absurda. Foi assim que decidi utilizar o blogue da RM para publicar o relato que me foi confiado. Faço-o na primeira pessoa e em discurso directo, a fim de que não se perca a essência de tudo o que ouvi e permanece vivo na minha memória.

Trabalho numa empresa de publicidade. É um trabalho gratificante, mas que necessita, para além de um cuidado estudo de mercado, de uma investigação minuciosa, não vá haver fugas de informação que estraguem os estudos realizados. E é aí que eu entro… não é raro receber ordem para ir a determinados locais, falar com determinadas pessoas, averiguar… enfim, encurtando… recebi ordem para me deslocar a Praga. Como de costume, só no destino ficaria a saber mais! As directivas ser-me-iam dadas de acordo com as necessidades. Também, como de costume, levaria apenas uma pequena mala com objectos pessoais. A roupa necessária para as diversas ocasiões, estaria no hotel. Não vou falar da viagem nem da forma como fui “encontrada” no aeroporto, nem tão pouco da situação do hotel. As minhas deslocações são sempre feitas em executiva e os hotéis sempre de cinco estrelas. Enfim, benesses de “agente secreta”! Depois de instalada, recebi as primeiras directivas: nunca, mas nunca, nem em qualquer local, poderia, para além de água, tomar qualquer outra bebida que não fosse cerveja. Eu já conhecia Praga e sabia que poderia fazê-lo sem escandalizar ninguém. Além de que a cerveja checa é francamente agradável! No primeiro dia disseram-me que ia passear pela cidade. Eu não podia escolher o local, pois tudo era previamente delineado. Meti-me no carro que me foi buscar, demos várias voltas pela cidade e o motorista deixou-me, valha-nos isso, num local maravilhoso donde se contemplava a cidade em todo o seu esplendor. Quem já conhece Praga e o seu aglomerado de cúpulas, o conjunto de bem conservados edifícios e o encantamento dos seus jardins, sabe ao que me refiro: pura fascinação! O local onde fui deixada, com a indicação de que teria que lá permanecer, estava àquela hora com alguns grupos de turistas. Ao mesmo tempo que admirava a beleza envolvente, ia ouvindo o que as guias diziam. À esquerda havia uma escada com degraus de pedra e a guia informava o seu grupo, formado maioritariamente por jovens raparigas: esta é a escada do amor… e este degrau, dizia apontando um deles, tem uma particularidade, quem puser lá o pé e pensar no seu amor…nesse mesmo momento,” ele” retribuirá o seu pensamento! Foi uma confusão de pés a descer e a pisar o dito degrau!!! Enfim, há que distrair! O tempo foi passando, os turistas desapareceram e eu continuava esperando. Por fim, completamente só no local, lembrando-me das jovens turistas, desci alguns degraus, quase a chegar ao tal milagroso. Nessa altura…umas palavras soaram junto ao meu ouvido “I’m here”…com os treinos a que fui sujeita, não me assustei e, calmamente rodei um pouco no sentido da voz. E… name’s Bond… James Bond… e era mesmo, James Bond em pessoa. Não mostrei surpresa, também fui treinada…só sorri. Notei que pareceu agradado. As jeans Dolce e Gabana, de bom corte, moldavam-me o corpo com elegância e a camisa branca que escolhera iluminava-me o rosto, rejuvenescendo-o. Com os meus quarenta e dois anos, sentia-me suficientemente jovem e madura para agradar a qualquer homem de bom gosto, mesmo a um habituado a ter à sua volta Bond’girls torneadas a silicone…ou talvez por isso mesmo! Conversámos ao mesmo tempo que admirávamos a cidade e ficámos a saber que nos voltaríamos a encontrar num jantar onde estariam presentes várias personalidades de destaque. De regresso ao hotel, fui posta ao corrente da minha missão em Praga: convencer James Bond a publicitar uma nova cerveja Sagres!!! Naquele momento duvidei…embora tivesse consciência de que lhe tinha agradado, temi não ser capaz de ter êxito nesta tarefa! Tomei um bom banho relaxante e dediquei-me à tarefa de escolher o vestido. Fiquei satisfeita com a escolha e depois de uma visita ao cabeleireiro do hotel, empenhei-me na tarefa de me tornar irresistível!!! Quando entrei no salão vi, com alívio, que lá se encontravam pessoas que eu já conhecia e me foram apresentando a outras. Pouco depois… vi-o…dirigiu-se a mim, cumprimentou e disse “estás belíssima…e não és tu que ficas bem com esse vestido…é o vestido que fica bem em ti!!!” …sorri e pensei no que diria o Augustus, se soubesse que era eu que dava beleza ao vestido que ele tinha criado e não o contrário!!! Mas foi um belo cumprimento, não há dúvida e deu-me mais confiança. O relato está longo e não vou contar tudo o que se passou… só que consegui que aceitasse fazer a publicidade Sagres. A parte financeira não foi tratada comigo, mas a empresa teve que aceitar algumas exigências:
- a cerveja tinha que ser Bohemia, já que foi onde nos conhecemos
- o formato do copo teria que fazer lembrar as minhas formas sinuosas
- só poderia ser comercializada em garrafa…como um pescoço onde a cabeça se pode encostar
Alguns dias depois regressei a Lisboa, com o coração doendo de saudade e recordando Praga para sempre!!!
Depois, foi todo o trabalho necessário para a campanha publicitária, as fotos para os cartazes e finalmente… o lançamento da Sagres Bohemia, com a presença da personagem que dá a cara…estive presente… não falámos… foi como se nunca nos tivéssemos conhecido, mas quando pegou no copo…foi para mim que olhou…com aquele sorriso que eu tão bem conhecia e nunca esquecerei!!!
No regresso a casa olhei para o relógio…àquela hora a minha fiel Elisa já teria ido embora…a casa estaria em ordem e sossego…ainda bem, não gosto que vejam na minha cara os vestígios da saudade. Meti a chave à porta, pousei a carteira e o casaco e dirigi-me à sala…em cima da mesa um embrulho… um envelope com o meu nome…abri…um cartão em branco…dentro de uma caixa…ISTO:

De repente, fez-se luz no meu espírito…abri o cofre que possuo em local bem disfarçado… peguei nos ingredientes que precisava… espalhei sobre o cartão… e lá estavam, bem visíveis as palavras que guardarei para sempre:

EVERYTHING FOR YOU… EVEN A SAGRES BOHEMIA

Cumprida a minha missão de dar a conhecer um dos relatos mais extraordinários da minha vida de proprietária da Residencial Medrosa, espero não vos ter maçado muito e, já agora, que tenham gostado!
Até à próxima